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‘Muitas pessoas na África não acreditam que o ebola existe’, diz diretor do Médicos Sem Fronteiras

Bart Janssens explica por que epidemia está fora de controle no continente negro

O belga Bart Janssens, diretor de operações do Médicos Sem Fronteiras, coordena o trabalho das equipes de profissionais de saúde em Guiné, Libéria e Serra Leoa, os três países mais atingidos pelo atual surto de ebola, que já matou 887 pessoas desde fevereiro. Trata-se da pior epidemia da doença na História. Nesta entrevista exclusiva, ele fala das dificuldades enfrentadas por suas equipes

Por que o surto de ebola na África Ocidental, já considerado o pior desde 1976 quando o vírus foi descoberto, está completamente fora de controle?

É uma situação muito complicada. Ainda não tenho uma análise completa de por que está tão grande. Mas o fato é que se espalhou por três países onde nunca havia sido registrado. Ou seja, onde nem a população nem os médicos conheciam a doença. E também, pela primeira vez, ocorreu em áreas mais populosas, não vilarejos isolados, como ocorria nos surtos do Gabão e do Congo. Um dos primeiros lugares onde apareceu é uma área central de comércio da região. Além disso, achamos que o surto começou na verdade em dezembro do ano passado e, até março, quando foi oficialmente detectado, se espalhou sem controle.

A questão da infraestrutura de saúde também tem um peso grande?

Sim, outro problema sério é que em Serra Leoa e Libéria não há um sistema de vigilância epidemiológica capaz de reconhecer imediatamente a doença. Muitos meses se passaram sem que medidas de controle fossem tomadas. E o problema continua. Não há vigilância, não há informação, não há controle em muitos pontos desses países. Muitos dos hospitais não estão prontos para receber casos novos. No pior lugar de todos, em Monróvia, capital da Libéria, ainda está havendo muita transmissão da doença por simples falta de conhecimento. Muitas pessoas simplesmente não acreditam que o ebola existe.

A ideia de que a doença é uma invenção e as práticas de sepultamento (como lavagem dos corpos) que contribuem para a transmissão estão atrapalhando muito o trabalho dos médicos?

Sim, as pessoas simplesmente não acreditam que o ebola existe, estão em negação. E isso ocorre em todos os níveis sociais, mesmo nos mais altos. As Igrejas, que atraem muitas pessoas, estão espalhando uma mensagem errada, dizendo que o ebola não existe e que não apoiam as medidas de prevenção que tentamos implementar. Há muitas práticas complicadas, como o manejo dos corpos no sepultamento, que continuam ocorrendo, principalmente nas áreas em que essas tradições são mais fortes.

Existe alguma razão para acreditar que esta linhagem do vírus é mais letal ou mais infecciosa?

Provavelmente não. Os testes já feitos até agora mostram que se trata de uma linhagem conhecida, não acho que algo tenha mudado no vírus.

Por que tantos médicos e enfermeiros estão sendo contaminados pelo vírus?

Isso é típico do ebola. A fase sintomática da doença é muito aguda e é nessa hora que as pessoas chegam no hospital. Quando a equipe médica não tem conhecimento, capacidade ou treinamento para se proteger, acaba entrando em contato com os fluidos corporais do paciente. E isso tem ocorrido na mesma medida em que a doença está se espalhando por áreas novas. Os primeiros contatos acabam gerando infecções, antes que o isolamento seja estabelecido, que as medidas de prevenção sejam tomadas.

Mas e o médico americano e a missionária?

Não temos ainda detalhes específicos sobre os americanos. Mas, ao que tudo indica, a infecção ocorreu nos primeiros contatos, antes de o hospital deles ser isolado.

Muitos americanos estão com medo da disseminação do vírus em seu país desde que o médico e a missionária foram levados para tratamento nos EUA. O senhor acha que há razão para isso?

Não há razão para medo. Se as barreiras foram criadas, não há risco; a proteção é suficiente. Nós, do Médicos Sem Fronteiras já tratamos centenas de pacientes e nunca houve um só caso de transmissão na nossa equipe. A transferência é uma praxe. Nós temos planos de evacuação médica do nosso pessoal em qualquer caso de doença, não só ebola. Não há razão para que uma pessoa que viaja para dar suporte humanitário a outras populações não possa receber tratamento médico em seu país. (Há ainda a convicção de que não se deveria ocupar leitos com pessoas que podem ser tratadas no exterior). E a transferência não acarreta risco. Todas as regras de isolamento são respeitadas. E mesmo que uma pessoa infectada chegasse à Europa ou aos EUA não há razão para acreditar que isso poderia gerar uma epidemia. A doença seria rapidamente reconhecida e contida. De forma alguma haveria uma epidemia como a da África em qualquer lugar com um sistema de vigilância epidemiológica bem estabelecido.

Mas o senhor acha que a epidemia vai continuar se espalhando na região? E na Nigéria, o país mais populoso da África?

Sim, esse é o principal risco. E o problema real é que MSF estão praticamente sozinhos para lutar contra a doença e controlar a epidemia. Só que agora, a disseminação foi tão longe que, para prevenir uma expansão ainda maior, novos esforços devem ser feitos. E não apenas de ONGs. Países europeus e EUA precisam destacar equipes médicas, unidades de tratamento, grupos de treinamento para as comunidades, organizar informações e vigilância epidemiológica. Estamos pedindo ajuda internacional, a situação só faz piorar.

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