Diversas pesquisas apontam que indivíduos com a vida sexualmente ativa terão contato, pelo menos uma vez, com o vírus do papiloma humano (HPV). Porém, nacionalmente, apenas as meninas de 11 a 13 anos são vacinadas contra a infecção pelo patógeno. A distinção entre os sexos para a imunização acende dúvidas em pais, educadores e até mesmo crianças e adolescentes que são o alvo da campanha. Se a transmissão é sexual, por que não vacinar também os homens, que poderão passar o vírus para suas parceiras e sofrer consequências do contágio? De fato, a cada momento, são maiores as evidências de que a imunização é eficaz para proteger jovens do sexo masculino do desenvolvimento de verrugas genitais e cânceres do tipo peniano, anal e de garganta.
Com base nesses resultados, a medida começa a ser aplicada em alguns países e também em cidades brasileiras. Na semana passada, meninos de 11 a 13 anos começaram a ser vacinados contra o HPV em Campos de Goytacazes (RJ). A cidade se une a Taboão da Serra (SP), que adotou a prevenção no ano passado, e a Farroupilha (RS), município pioneiro em incluir o imunizante no calendário de vacinas para o sexo masculino. Cada um desses dois municípios espera vacinar pelo menos 3 mil adolescentes este ano, repetindo a meta de 2013.
Em Campos dos Goytacazes, o objetivo é maior: aplicar as doses em12 mil garotos. O secretário de Saúde do município fluminense, Doutor Chicão, diz que a intenção é fazer uma ação permanente, que será continuada nos próximos anos. Lá, as meninas de 11 a 15 anos são protegidas desde 2010. “Somente agora o Ministério da Saúde começou a vacinar as meninas, com idades entre 11 e 13 anos. Nós vacinamos um público bem maior”, afirma.
A vacina adotada no Sistema Único de Saúde (SUS) é a chamada de quadrivalente, por ser eficaz contra quatro tipos de HPV: 6, 11, 16 e 18. Essa é também é a única forma aprovada atualmente para o uso em meninos. A idade mais favorável à imunização para ambos os sexos está entre 9 e 13 anos. Nesse período, a vacina tende a garantir maior proteção, pois é mais provável que os adolescentes não tenham iniciado a vida sexual e, assim, não se expuseram ao vírus.
Informação
Segundo o professor e chefe do Setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mauro Romero Leal Passos, a abordagem da campanha de vacinação atual levou a uma interpretação de que o HPV é uma doença de mulheres, com um foco principal no desenvolvimento de câncer. “Sabemos que é uma doença de homens e mulheres que pode causar também a verruga genital, mas talvez não quisessem evidenciar a questão venérea para facilitar a aceitação”, avalia.
Passos acredita que as informações precisam ser mais claras. Ele conta um episódio ocorrido com sua família para exemplificar o problema. Suas filhas adolescentes lhe disseram que, na escola em que estudam, meninas com mais de 14 anos e garotos foram excluídos de uma palestra educativa sobre o HPV porque não faziam parte do público a ser vacinado. “Ou seja, só vou dar informação para quem for vacinar? São alguns equívocos que acabam reforçando a ideia de que o HPV só afeta as mulheres. Temos até meninos reclamando”, detalha o especialista.
De acordo com nota oficial do Ministério da Saúde, como o objetivo da estratégia adotada pelo governo federal é reduzir casos e mortes ocasionadas pelo câncer de colo do útero, a vacinação inicialmente é restrita ao sexo feminino. “Estudos comprovam que os meninos passam a ser protegidos indiretamente com a vacinação no grupo feminino (imunidade coletiva), havendo drástica redução na transmissão de verrugas genitais entre homens após a implantação da vacina contra o HPV como estratégia de saúde pública”, finaliza o texto.
Eficiência confirmada
A primeira evidência científica de que a vacina contra o HPV é efetiva em homens surgiu em fevereiro de 2011, com a publicação de um artigo na renomada New England Journal of Medicine, produzido pelo Centro de Câncer H. Lee Moffitt e pela Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), ambos nos Estados Unidos. O estudo confirmou as suspeitas de proteção do imunizante contra o desenvolvimento de verrugas genitais e cânceres anais, peniano e de garganta na população masculina.
As taxas de cobertura encontradas foram bastante altas. Cerca de 90% para as verrugas genitais quando a vacina foi oferecida antes da exposição do indivíduo aos quatro tipos de HPV combatidos pelas doses. Essa eficácia atingiu 66% na população geral de homens jovens independentemente da exposição prévia às diferentes cepas do vírus. Além da prevenção contra verrugas, a vacina impediu também a infecção pelo HPV efetivamente persistente em 86% dos voluntários sem exposição prévia.
O ensaio clínico durou quatro anos e incluiu 4.065 homens saudáveis com idades entre 16 e 26 anos, abrangendo 71 cidades em 18 países. Desses participantes, 85% relataram ter exclusivamente parceiros sexuais femininos, sendo que o restante afirmaram ter relações sexuais com homens. Todos foram testados no início do trabalho para a exposição prévia a cada tipo de HPV e, então, selecionados aleatoriamente para receber um placebo ou a vacina quadrivalente. Aqueles com histórico de verrugas ou lesões genitais ou anais foram excluídos. Após as doses, os pacientes fizeram seis exames de acompanhamento ao longo de três anos para avaliação da eficácia da medida.
“Isso mostra que, se vacinarmos meninos cedo o suficiente, devemos ser capazes de prevenir a maioria dos casos de verrugas genitais externas nessa população”, observa o professor de medicina da UCSF Joel Palefsky, um dos líderes da pesquisa. Os dados iniciais, antes da publicação do trabalho, levaram a agência de vigilância sanitária norte-americana (Food and Drug Administration — FDA) a aprovar a vacina para meninos em 2009. O pesquisador acredita que a vacina também é uma arma importante contra a transmissão do HPV para mulheres, uma vez que cerca de 60% a 70% das adolescentes americanas não receberam as três doses recomendadas. Na época da publicação do trabalho de Palefsky, ainda faltavam evidênicas que garantissem a prevenção ao câncer anal, genital e da garganta. Não demorou muito até que elas aparecessem.
Mortes evitadas
Em pouco mais de oito meses, Palefsky publicou, na mesma revista, outro ensaio clínico internacional indicando que a vacina contra HPV é segura e eficaz para prevenir o câncer anal. “Nos EUA, quase 6 mil pessoas são diagnosticadas a cada ano com câncer anal, e mais de 700 pessoas morrem da doença. O ensaio mostra que esses tumores e mortes poderiam ser prevenidos”, lamenta Palefsky, que também é fundador da Anal Neoplasia Clinic, no Centro de Câncer Helen Diller Family Comprehensive, da UCSF, primeira clínica do mundo dedicada à promoção da investigação, sensibilização, prevenção e rastreamento do câncer anal.
O estudo envolveu 602 homens com idades entre 16 e 26 anos que fazem sexo com homens da Austrália, do Brasil, do Canadá, da Croácia, da Alemanha, da Espanha e dos Estados Unidos. Eles afirmaram ter tido pelo menos um e não mais que cinco encontros sexuais. Conforme descrito no artigo, a vacina reduziu a incidência de lesões precursoras de câncer em cerca de 75% dos que não foram previamente expostos a qualquer um dos tipos de HPV presentes na vacina. Entre aqueles que sofreram exposição, o imunizante reduziu a incidência das lesões pré-cancerígenas em 54%.
Exemplo materno
Os meninos são mais propensos a receber a vacina quadrivalente contra o papilomavírus humano (HPV4) se suas mães tomam cuidados com a própria saúde, buscando medidas como vacinas contra a gripe ou exames de Papanicolau, de acordo com um estudo publicado no American Journal of Public Health. O trabalho examinou os registros de saúde de mais de 250 mil meninos com idades entre 9 a 17 anos inscritos no Plano de Saúde Kaiser Permanent Southern California e descobriu que um total de 4.055 meninos (ou 1,6% dos membros nessa faixa etária) iniciaram a vacina HPV4 entre outubro de 2009 e dezembro de 2010. Os pesquisadores descobriram que a taxa de vacinação foi 16% maior nos garotos cujas mães receberam a vacina contra a gripe no ano anterior quando comparados aos filhos de mulheres não imunizadas. Além disso, a taxa de vacinação era de 13% maior naqueles cujas mães tinham feito um exame de Papanicolau nos últimos três anos.
“Se vacinarmos meninos cedo o suficiente, devemos ser capazes de prevenir a maioria dos casos de verrugas genitais externas nessa população” – Joel Palefsky, professor de medicina da Universidade da Califórnia em São Francisco